sábado, 30 de julho de 2016

Ivete lança acustico e avalia decadencia do axé : predomínio eterno emburrece
Postado Por: iveteonlineCompartilhe:


Quando a porta do camarim improvisado na sede da plataforma digital Vevo, em São Paulo, abre para receber a reportagem do GLOBO, Ivete Sangalo é uma pessoa. A cantora e compositora tinha acabado de chegar de Salvador e, do aeroporto de Congonhas, foi diretamente para o prédio no Itaim Bibi onde, mais tarde, daria uma coletiva de imprensa para falar sobre seu novo trabalho, “Acústico em Trancoso” (Universal Music), lançado ontem em CDs — são dois, vendidos separadamente — , DVD e streaming. De roupão, cercada por maquiador e cabeleireiro, Ivete justifica, logo de cara (limpa), a voz baixa, nada comparada à potência habitual: um princípio de gripe a fizera tossir diversas vezes na noite anterior.

No fim do papo, que durou cerca de 40 minutos, ela era outra. A baiana de Juazeiro já estava em processo avançado de transformação para a Ivete Sangalo que sua legião de fãs — muitos esperaram na porta do prédio, por horas, a desejada selfie, que a própria Ivete tira — está acostumada a ver como uma das maiores estrelas pop do país, com mais de 20 milhões de discos vendidos entre carreira solo e o período como vocalista da Banda Eva. Até a voz apresentava uma melhora considerável.

Ao observar a transição, é natural que se faça um paralelo com o momento atual da artista. Aos 44 anos, Ivete se divide entre ser a mãe de Marcelo, hoje com 6 anos, a mulher de Daniel Cady, com quem é casada desde 2011, a proprietária da Iessi Music Entertainment, empresa que gerencia sua carreira, a apresentadora de TV — além de técnica do reality musical “The voice kids”, no qual está confirmada para a segunda temporada, Ivete volta a comandar o “Superbonita”, no GNT, no próximo dia 22 —, a cantora e compositora inquieta e, claro, a Ivete.

— É uma vida só. Ela não se difere. Eu sou uma mulher, uma cantora, que tem filho, tem marido, tem uma empresa, trabalha. A gente consegue carregar a cruz. Sempre. Que, na verdade, não é cruz, é só uma questão de saber administrar — afirma. — Meu filho me perguntou um dia: “Ô, mãe, por que você me leva e me busca na escola todo dia e a mãe de meu amiguinho não faz isso?”. É porque a mãe do amiguinho precisa trabalhar o dia inteiro. Só que eu viajo e a mãe do coleguinha não viaja. Quando chega o fim de semana, o Marcelo fica “p da vida”. Mas esse é o meu trabalho. As facilidades da tecnologia ajudam muito para eu não ter que fazer tantas reuniões. Consigo até ter uma vida social, por mais que seja muito caseira. Graças a Deus, tenho uma vida com tudo muito em paz.

“SEM SOSSEGO”

Em paz, sim, mas, como explica no início do DVD “Acústico em Trancoso”, tudo o que ela não quer é sossego no palco. Tanto é que adaptou o formato desplugado ao melhor estilo Ivete. Nas 25 faixas — oito delas inéditas — distribuídas por uma hora e meia de show, são raras as vezes em que a cantora realmente sossega.

— Na minha ingenuidade de início de carreira, eu achava que acústico era banquinho. E eu pensava: “bicho, não dá para mim”. Quando resolvi fazer esse acústico, me despi de todo e qualquer modelo e formato — justifica Ivete, que assina com o diretor teatral e dramaturgo baiano Elisio Lopes Jr. a direção artística do trabalho. — Um amigo me falou brincando: “Ah, é acústico, mas não tem arranjo de cordas”. Eu não senti a necessidade de tê-las, apesar de adorar e de ter usado em discos de estúdio. A única coisa que eu fiz questão de ter era a sanfona, que remete muito ao lugar de onde eu venho, o que me fortalece musicalmente. Os outros elementos vieram de uma forma muito natural: o cavaco, o ukulele, o bandolim, os violões, aquela coisa de querer muita percussão. E, a partir disso, eu fui no que o conceito me favoreceria.

No “Acústico em Trancoso”, gravado no exuberante Teatro L'Occitane, a cantora volta a deixar evidente sua simpatia pelos timbres do reggae ao chamar ao palco Vitin, da banda Onze:20 (em “Perto de mim”), e Helinho, do Ponto de Equilíbrio (“Estar com você”), e retoma, em “Zero a dez”, a parceria com Luan Santana, iniciada no dueto “Química do amor”, faixa lançada pelo sertanejo em seu segundo DVD, “Ao vivo no Rio” (Som Livre, 2011). Além, claro, de dar espaço em “A lua Q eu T dei” ao time que montou na primeira temporada do “The voice kids”, formado pelos cantores mirins Julie de Assis, Luiza Proechet, Robert Lucas, Luna Bandeira, Pérola Crepaldi e Daniel Henrique.

Em seu quinto registro ao vivo, Ivete Sangalo admite a preferência em relação ao estúdio (“o estúdio meio que me oprime um pouco. Aquele preciosismo de ‘volta! Grava de novo!’ tira parte da verve do trabalho”) e reage com bom humor quando a inevitável pergunta chega: afinal, o que Ivete ainda quer fazer?

— Eu quero cantar sempre. É muito engraçado, e eu entendo, quando falam “Ivete, você não precisa fazer mais nada, porque você chegou aonde chegou”. Mas a necessidade não é do lugar, e, sim, de estar sempre fazendo. Porque é o que eu gosto de fazer. O sucesso, no meu caso, não está atrelado a números. Ele abrange exatamente isso: a possibilidade de continuar fazendo música. Eu não pensava em fazer o acústico e fiz. Eu não pensava em fazer o Maracanã e fiz. Eu não pensava em fazer o “Pode entrar” em minha casa e fiz. Quantas outras coisas podem me acontecer daqui em diante? Muitas — crava.

Anteontem, Ivete Sangalo subiu o Corcovado para dar uma palinha de seu novo trabalho durante um evento para convidados, promovido pelo Instagram, abrindo a contagem regressiva para a Olimpíada (leia a cobertura na coluna Gente Boa, na página seguinte). Por mais que seja madrinha do Time Brasil, a cantora não estará na cerimônia de abertura da Rio 2016. Enquanto isso, seus conterrâneos Gilberto Gil e Caetano Veloso, e as cantoras da moda Anitta e Ludmilla tiveram seus nomes confirmados na festa. Ivete relativiza a ausência:

— Eu acho que as escolhas têm os seus momentos e suas horas. Para a Olimpíada, eu não vou fazer a abertura, mas isso (sua participação) não tem que ser uma regra, né? Eu achei tão gostoso ser parte de tantas coisas do esporte, e sou, sim, parte da Olimpíada. É nosso país, é um grande evento acontecendo aqui, mas só eu gosto de comer o doce? Todo mundo gosta. Então, acho que todo mundo tem que fazer, participar... Eu fico lisonjeada quando ouço esses questionamentos. Mas eu sou madrinha, gravei os áudios das meninas da ginástica rítmica e do nado sincronizado, e vou assistir. Acho massa as escolhas que fizeram. Eu não tenho esse ciúme.

Filha da axé music, que a impulsionou ao estrelato na década de 1990 como vocalista da Banda Eva, e discípula de Armandinho, Dodô e Osmar e Luiz Caldas, Ivete construiu uma carreira solo em que, paulatinamente, se distanciou do gênero, abraçando harmoniosamente a música pop. O acústico, obviamente, não tem a guitarra baiana, um dos instrumentos mais marcantes do movimento. Ivete avalia como “natural” o período de decadência comercial do gênero que completou 30 anos em 2015:

— Eu gravei “Festa” no auge da música baiana, e "Festa" é uma das canções mais pop que eu conheço. “Sorte grande” também. Eu acho natural que tenha esses ciclos. Se não, fica essa predominância eterna que emburrece, engessa — afirma. — Mas eu vejo que toda transformação sempre beneficiará o público, o que é um grande barato. A música é feita de movimentos. Neles, você tem a oportunidade de estar em voga e mostrar. Teve a oportunidade, mostrou, e não rolou, pegue seu banquinho e saia de mansinho. É isso. Eu tive a maior sorte de nascer na Bahia, porque é um som muitíssimo próprio, originalíssimo, honesto com as coisas que a gente gosta. Eu não saberia não fazer isso. Mas eu não fico “ai, meu Deus, o movimento, a predominância, a hegemonia”. Isso é tolice, é vaidade demais. Deixa todo mundo pintar aí.

Curiosa, ela observa a movimentação da cena independente baiana, dando especial atenção a um grupo:

— Eu amo o BaianaSystem! Lá nos primórdios, com Armandinho, Dodô, Osmar e o próprio Luíz Caldas, havia essa onda instrumental muito forte na música baiana. O que o BaianaSystem traz é o moderno, as máquinas, os beats, a pick-up, a guitarra baiana com o Robertinho (Barreto, fundador do grupo) e essa onda de dedicar um tempo da música ao instrumental. Os beats viram verdadeiros hits na voz da galera. O Russo Passapusso é muito bom poeta também, a coisa do improviso dele é demais. É linda a pipoca no carnaval do Baiana, e os shows são catarse total.

Por mais antenada que seja, Ivete não sabia que o cantor e compositor Wado, nome presente na cena independente, lançou, no início do mês, um disco com influências de axé e ijexá, batizado de... “Ivete”. Imediatamente, botou para tocar na caixa de som do camarim e, entre risadas de aprovação, fez um comentário sincero:

— Bom para c****!

Fonte : O Globo
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