domingo, 31 de dezembro de 2017
Enquanto aguarda a chegada das filhas gêmeas, Ivete Sangalo reflete sobre feminismo e política
Postado Por: iveteonlineCompartilhe:
À meia-noite de hoje, quando Ivete Sangalo gritar “Feliz Ano Novo” para o púbico do Festival Virada em Salvador, ela também vai inaugurar suas férias antecipadas. Será a primeira vez em 24 anos de carreira que a baiana vai passar janeiro e fevereiro longe dos trios. O motivo é nobre: a reta final da gravidez das gêmeas, que devem nascer logo depois do carnaval. O ócio da mamãe será curtido na casa da Praia do Forte, a 80 km de Salvador, ao lado do marido, o nutricionista Daniel Cady, e do primogênito, Marcelo, de oito anos. “A médica não quer esperar que se completem as 40 semanas. Elas já estão com um peso maior do que o período rege”, conta Ivete.
É na residência de verão que ela nos recebe para nossa sessão de fotos — a única desta gravidez — e para uma entrevista, digamos, diferente. Em vez de discorrer sobre enjoos, vontades esquisitas, possíveis nomes para as meninas, detalhes do processo de fertilização in vitro e outras pequenas curiosidades, a cantora mais popular do Brasil entregou-se a uma reflexão sobre a responsabilidade de colocar mulheres num mundo cada vez mais em ebulição por causa da discussão em torno dos direitos delas. “Não queremos ser iguais aos homens; estamos cansadas é de ser discriminadas e não ter os mesmos direitos pelo simples fato de sermos mulheres”, diz ela.
Na sua primeira gravidez, do Marcelo, você ficou muito mais reservada do que nesta. Por que a mudança?
Eu vinha da experiência de ter sofrido um aborto espontâneo, que me deixou superabatida, muito reticente. Já tinha 36 anos e decidi ficar quietinha. No caso de agora, aos 45 e grávida de gêmeas, acho que é uma mensagem de otimismo para muitas mulheres. Eu queria muito ter mais filhos e, quando eu via alguém realizando isso, me pegava pensando: “É possível”. Então falar sobre o assunto talvez seja um estímulo e um serviço para encorajar outras mulheres que passam por esse tratamento, que não é fácil. Muitas dividem suas angústias comigo, me fazem perguntas nas redes sociais.
Você não se sentiu pressionada a conseguir engravidar em nenhum momento?
Fui mais relaxada, mais confiante, porque já tenho um filho, né? Mas existem muitas mulheres que ainda não são mães e criam uma expectativa muito grande no tratamento. Além de ser muito caro, existem os efeitos colaterais do processo. A mulher tem que estar muito preparada. Os amigos e os familiares querem vê-la feliz, é uma pressão boa, mas não deixa de ser uma pressão. O que não se deve é encarar isso como a última das soluções. Não se deve ir para um tratamento se pressionando ou deixando as outras pessoas pressionar você.
Colocar duas meninas num mundo em que a luta pelos direitos das mulheres voltou à pauta do dia é bom ou dá medo?
Eu acho que, ao contrário, a gente precisa cuidar é dos filhos homens. Porque a mulher sabe do seu poder; ela sabe que ela pode gerar, que ela é determinada, organizada, multifocada. Se estiver num ambiente saudável, vai desenvolver essas aptidões que são só dela. A mulher não quer ser igual ao homem; ela não quer é ser recriminada por ser mulher, não ter os mesmos direitos só pelo simples fato de ser mulher. O que maltrata a mulher é precisar explicar o seu poder. É tão desgastante e tão broxante, que ela perde até a admiração por essa sociedade. Nesse sentido, minha preocupação com meu filho é maior. Que homens nós estamos educando para mudar essa ordem machista?
Você é muito diferente da mãe que sua mãe foi?
Olha, eu tive uma mãe muito forte, muito empoderada, que tinha muita consciência do poder dela como um ser feminino dentro da sociedade. Eu lembro que ela se curvava diante de determinados ritos dessa sociedade machista muito mais por inteligência do que por submissão. Ela não perdia tempo com o machismo que meu pai ou por ventura os filhos dela poderiam manifestar.
Que atitudes empoderadas ela tinha? Afinal, ela era dona de casa, não estava no mercado de trabalho.
Ela tinha seis filhos, geria praticamente uma empresa com horários, temperamentos e sexos diferentes. O empoderamento dela, pode soar estranho, é ela ter decidido por ela mesma cuidar dos filhos, abrindo mão do tempo que tinha para si. Foi uma escolha pessoal, no momento em que muitas amigas estavam indo para o mercado de trabalho. O empoderamento era no sentido de fazer não o que os outros esperavam que ela fizesse, mas ser o que ela queria. Era muito pragmática, prática na resolução dos problemas, uma líder. Eu peguei isso dela. Sem “mimimi”. Não existe um padrão de poder, não existe a mulher certa ou a mulher errada. O empoderamento não está em trabalhar ou não, em usar um decote mais aberto ou fechado, mas em você ter a liberdade de escolher. O mundo está com muita dificuldade de entender isso.
O mundo está melhor para a mulher?
Se você toma o exemplo do Império Romano, sim; mas, se toma o potencial que a civilização poderia ter hoje, estamos muito aquém. As leis asseguram muitas coisas para as mulheres; a dificuldade é incutir o direito na alma das pessoas. Elas só entendem o direito através de leis, do medo de infringir uma norma e sofrer uma punição. Daí o papel fundamental da educação, para fazer a noção de direito e respeito entrar no coração e na cabeça das pessoas. Quem sofre preconceito não quer ser aceito ou impor seu estilo de vida, mas ser respeitado. Isso confunde a sociedade preconceituosa. Você não vai convencer um radical do contrário só pela discussão. É preciso um programa de educação mais contundente, com o nível de exigência como a matemática ou o português.
Pela pouca quantidade de haters, você pode se gabar de não sofrer exatamente nas redes sociais. É um caso raro hoje, não?
O mundo está muito carente. As redes sociais se transformaram em salas de terapia sem o terapeuta para moderar os caminhos. Eu vejo as polêmicas surgirem e identifico vários tipos de público: o que entra para fomentar a polêmica, o que entra sem entender o que está sendo debatido, o que dá sua opinião com base e aquele que quer ser visto e escutado a qualquer preço, coisa que ele não consegue em lugar nenhum na vida real. Esse povo todo numa sala vira uma bomba, uma algazarra. Uma pessoa que tem compreensão sobre um assunto discute com uma que passou ali só 15 minutos para chatear. Vira uma guerra, até que a próxima polêmica chegue.
E que postura você recomenda?
Existem muitas ferramentas. Eu sou uma pessoa pública; se eu tenho uma rede social, eu coloco um precedente para que as pessoas deixem suas impressões. O problema é que as opiniões viraram julgamentos. As primeiras são muito bem-vindas; os julgamentos não devem ser encarados com tanta prioridade, a partir do momento em que você entende que se trata de um julgamento. No meu caso, eu preservo você, a mim mesma e a própria pessoa.
Então bloqueia?
A pessoa que condena, e nota que aquilo tomou uma proporção incontrolável, acaba percebendo que aquilo também a condena para o resto da vida. Não sabe dimensionar o tamanho que é se envolver numa rede social hoje.
Mas as crianças não sabem se defender. Como você ensina ao seu filho, por exemplo?
Você não pode esquecer o essencial: para qualquer criança, com rede social, sem rede social, com 300 formas de se comunicar, existem um pai, uma mãe, um mentor, um educador ou uma instituição que cuidam dela. O que estamos fazendo hoje é entregar à fatalidade das redes sociais tudo de ruim que acontece com os nossos filhos. Sinto dizer, mas educar dá trabalho. É importante contar ao seu filho: “isso não é importante para você”. E também mostrar que ele também pode cometer esse tipo de infração ou bullying, e o fazendo enxergar os dois lados da moeda. Tem que sentar e conversar. Tem coisas que nunca vão mudar numa educação de um filho. “Dê bom dia, escove o dente”. É uma repetição e uma insistência sem fim. Mas, um dia, alguém vai lhe dizer: “Nossa, como ele é educado”. E você vai morrer de orgulho.
E tem mãe que faz o iPad de babá.
Mas tampouco se deve condená-la por isso. Se antes a mulher fazia três tarefas, hoje faz 12 ao mesmo tempo. É um rolo compressor. Existe uma pressão para a mãe ser perfeita, mas a gente sabe intimamente que isso não existe.
Você se cobra?
Muito, inclusive eu digo ao Marcelo: “Mainha tá chata hoje”. Para o filho, é bom ter uma mãe chata de vez em quando. Você precisa entender que algumas falhas até vão ajudar a construir aquele indivíduo.
Você se considera uma transgressora? Mãe aos 45 anos, casou com um homem mais novo...
Nada foi premeditado na minha vida. Eu não me casei com um homem mais novo porque ele era mais novo, mas porque eu me apaixonei. E eu tive meus filhos mais velha, porque só ali eu me senti preparada. Se premeditasse cada passo da minha vida, seria a pessoa mais infeliz do mundo. Porque estaria seguindo a vontade do outro, não a minha. É aí que a gente está pecando: passa duas horas procurando filtro na foto para realizar a vontade do outro. Aqui não tem filtro, não.
Você se cuidou mais nesta gravidez?
Na gravidez do Marcelo, eu tinha uma noção totalmente minha do que era a alimentação, e ela tinha nada a ver com o que é o certo (risos). Eu até comia coisas saudáveis, malhava, mas achava que comer brigadeiro era o.k.. Só me dei conta do prejuízo no pós-parto. Tive sobrepeso, minhas costas doíam, suava muito. Com esta gravidez, rolou também um alerta, porque existia o risco natural da gravidez gemelar de desenvolver diabetes gestacional, hipertensão, então veio um cuidado maior. E são duas, né? O pós tem tudo para piorar, se você não se cuida (risos).
Nós inauguramos com essa revista sua licença-maternidade. Como vai ser o primeiro janeiro de férias?
Hoje, a minha carreira me permite certos luxos, como gravar comerciais na Bahia, ensaiar em casa, portanto ter um tempo maior para a minha família. Estou muito mais calma, não fico pensando em supostos riscos que correria por não estar presente num carnaval. Tenho 24 anos de carreira, o amor dos meus fãs, minha música, minha história, então tenho certeza de que não vai ser por um carnaval que vou colocar tudo isso a perder.
Hoje as gravadoras estão muito focadas nas visualizações de vídeos. Isso empobreceu a MPB?
Durante toda a minha vida, eu ouvi essa bobagem de crise na MPB. A gente não pode deixar de enxergar os movimentos populares. Não é imposição, é uma escolha; você ouve se quiser. Eu adoro que as pessoas visualizem meus vídeos, mas dispenso esse recurso de colocar gente para colocar no repeat só para fazer número. O artista precisa saber o que quer da sua arte. Eu não posso sofrer se não for ouvida por 1 milhão de pessoas, e não posso me achar foda porque sou ouvida por 1 milhão de pessoas.
Já viu o meme “Ivete para presidente”?
É uma forma carinhosa de dizerem que confiam em mim, mas você precisa de, no mínimo, muita expertise política, coisa que eu não tenho. Não é o meu métier. É um grande equívoco confundir carisma com competência administrativa. Você pode eleger um cara sem graça, sem discursos inflamados, e ele ser um grande administrador. E eleger uma pessoa carismática que é um flautista que só atrai os ratos.
Está otimista com as próximas eleições?
Eu sou uma pessoa que acredita. Mas é fato que se perdeu o vínculo com o povo. As pessoas se elegem para defender seus próprios interesses. Fala-se muito de corrupção, é importante falar, mas a impressão é que o país parou nessa agenda. Vivemos muitas decepções com pessoas que tiveram crédito da maioria intelectual, da maioria popular. Nós éramos ingênuos de achar que esses conchavos não existiam. Agora que estamos diante da realidade, o que vamos fazer com isso? Continuaremos ingênuos? Espero que não.
Já deu para notar na barriga algum traço da personalidade das bebês?
Totalmente. Uma é uma lady, a outra é bem Ivete (risos).
Fonte : Globo
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